Permeando a vida de todos os brasileiros, os computador também estava presente na área da saúde. No início de 1977, o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS) começava a implantar o Sistema Integrado de Controle de Assistência Médica, que tinha como objetivo levantar a demanda de serviços de saúde e os recursos disponíveis em cada município brasileiro. O primeiro módulo era o sistema de contas, com qual o INPS pretendia reformular o pagamento aos seus hospitais e o atendimento que estes prestavam aos segurados. O processo anterior, implantado em 1967 e cuja revisão era feita manualmente tinha diversos pontos de estrangulamento, o que gerava pagamento de contas sem a devida fiscalização e, conseqüentemente , distorções nos pagamentos.
Quem mais lucrava com a situação eram alguns hospitais. Os abusos praticados iam desde a apresentação de despesas absurdas de gaze para simples curativos até a cobrança de cirurgias de pacientes que ficavam internados apenas três dias. Os sistemas do INPS e de outros órgãos de governo como a Central de Medicamentos(Ceme), a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e a Justiça Federal* eram processados pela Dataprev, empresa criada em abril de 1975 para ser o centro de processamentos de dados da Previdência.
Isso significava não só um grande volume de trabalho como a multiplicidade de atividades. Em 1976, o desempenho operacional da empresa tinhas os seguintes número: mais de mil programas, 72 milhões de documentos digitados, 37 mil horas de computador, 1 bilhão e meio de registros, 18 milhões e meio de formulários contínuos, 53 mi malotes expedidos e o processamento e pagamento de cerca de 12 milhões de contas médico-hospitalares.
Numa demonstração de importância da Dataprev para as atividades do governo, o presidente Ernesto Geisel inaugurava, em julho de 1977, a nova sede operacional da empresa, um prédio de quatro andares no bairro de laranjeiras, no Rio. A empresa inaugurava também, o seu novo computador, o Burroughs 7700, de última geração. O equipamento, com 4Mb de memória, 28 discos e seis impressoras, era considerado na época o maior do hemisfério sul e foi o primeiro da sua categoria a ser instalado fora dos Estados Unidos. Além do novo computador e do antigo B6700, que foi mantido, a Dataprev contava com 450 sistemas ICL de entrada de dados, distribuídos por 10 pólos regionais.
Paraíso dos Birôs
Inspiradas nos modelos do Sepro e da Dataprev, outras empresas de processamento de dados estatais surgiam em todo o país. Uma das maiores era a Prodesp – Companhia de Processamentos de Dados do Estado de São Paulo. Criada em 1969, a empresa se expandiu rapidamente e, em 1977, contava com um parque instalado amplo, poderoso e diversificado, integrado por computadores de grande porte como o IBM/370-158 com 2MB de memória, discos de 4 Mb, 18 unidades de fita, o Burroughs 6700 (instalado em sua unidade funcional na Secretaria de Segurança Pública) e o Univac 1100 (instalado na unidade funcional do Hospital das Clínicas).
Embora sem dispor de um parque computacional tão poderoso quanto o da Prodesp, outras empresas estatais não poupavam recursos para estar sempre em dia com a tecnologia e ampliar a capacidade de seus equipamentos. Enquanto, no amazonas, a Prodam ( Processamento de Dados do Amazonas) adquiria um computador Honeywell Bull, com 1Mb de memória, para controlar sua rede de teleprocessamento, em Brasília, o Prodasen ( Centro de Informática e Processamento de Dados do Senado Federal) ampliava a capacidade de armazenamento do seu sistema IBM 370 modelo 158, de 1Mb de memória, instalado em 1972. Em 1981, quando a capacidade de memória do computador já tinha sido quadruplicada, o Prodasen colocava à disposição do Congresso o fruto de um trabalho de três anos: um sistema que permitia aos deputados e senadores acompanhar o orçamento do Executivo, numa série de cinco anos.
Em 1977, 15 empresas estaduais de Processamento de Dados (Abep), que tinha como função principal a troca de informações técnicas. Como a primeira medida prática, estava nos planos da Abep a criação de um banco de software básicos de aplicação que seria compartilhado entre as empresas associadas.
O crescimento do mercado permitiu o surgimento de um grande número de empresas de serviços – inicialmente chamadas de bureaux e que, como o tempo, tiveram o nome simplificado para birôs – que atendiam tanto o mercado privado como o governo. Contando com computadores de grande porte, software de última geração e grande número de profissionais, os birôs eram uma alternativa de agilidade e redução de custos para os problemas de processamento de dados das empresas. Sua agilidade comercial permitiu conquistar, também, importantes serviços governamentais como, por exemplo, a apuração dos votos nas eleições** nas principais capitais e em cidades do interior de diversos estados, como o Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, entre outros.
Em junho de 1976, um grupo de birôs cariocas fundava, no Rio de Janeiro, a Assespro-Associação de Empresas de Serviços de Processamento de Dados. Pouco tempo depois, a entidade ampliava sua abrangência, passando a atuar em âmbito nacional. Os usuários também buscavam obter maior representatividade no mercado, através da sua entidade, a Sociedade dos Usuários de Computadores e Equipamentos Subsidiários (Sucesu). Criada em 1965, no Rio de Janeiro, tinha como objetivo auxiliar e orientar o administrador na tomada de decisões, conscientizar o empresário quanto à importância da utilização do computador e promover a troca de experiências. Outros estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Paraná e Pernambuco, criaram unidades regionais, que se juntaram, em 1969, para criar a Sucesu nacional, com sede no Rio.
Já a principal preocupação dos profissionais era a regulamentação da profissão. É que, embora empregasse mais de 30 mil pessoas, o processamento de dados ainda não era uma atividade legalmente definida no país. Para encontrar solução para este e outros problemas da categoria, os profissionais formaram, em 1977, uma associação nacional congregando preparadores, digitadores, operadores, analistas e programadores. Além dos interesses profissionais, outro tema era alvo da preocupação da comunidade de informática: até que ponto a vida privada do cidadão poderia ser ameaçada pela quantidade e cruzamento de dados sobre ele disponíveis? Em 1978, dois projetos de lei sobre o assunto tramitavam no Congresso. Um deles, de autoria do deputado oposicionista José Camargo (MDB-SP), pretendia "disciplinar a prestação de informações pelos centros eletrônicos". Sua justificativa para o projeto eram os perigos resultantes da concentração de todas as informações disponíveis sobre todas as pessoas em um único cadastro. "Antigamente, os dados pessoais de cada indivíduo eram extremamente difíceis de serem coletados. Mas hoje, com o progresso da informática, em poucos segundos poderemos ter em mãos toda a vida de qualquer pessoa, com número de identidade civil, ficha biomédica, cadastro do Imposto de Renda, saldo bancário, ficha educacional e centenas de outras informações que, manipuladas inescrupulosamente e para fins escusos, sem dúvida trarão sérias dificuldades para qualquer um", justificava o projeto.
O projeto do deputado José Ribeiro Faria Lima (Arena- SP), propunha a criação de um Registro Nacional de Bancos de Dados, que teria a Capre como órgão fiscalizador do funcionamento desses bancos. O projeto tinha sido redigido para regulamentar o direito de acesso e retificação de informações pessoais, previsto em emenda à Constituição, apresentada anteriormente pelo próprio Faria Lima. Os dois projetos tinham surgido como reação a uma suposta iniciativa do Ministério da Justiça de se adotar no país o número único. Suposta porque, na verdade, ninguém a tinha visto até então. O próprio deputado Faria Lima tinha confessado, em um debate público, que redigira seu projeto de lei protegendo o cidadão contra possíveis indiscrições do número único, sem conhecer os termos a serem propostos pelo Ministério da Justiça. O projeto de criação do temido número único, como estava -ou se supunha estar -sendo delineado na década de 70, não foi à frente. Mas, se não vingou em termos formais, na prática, ele acabou se concretizando, progressivamente, nos anos seguintes. Com outro nome -Cadastro de Contribuintes Individuais (ClC) -e sob controle dos órgãos da área econômica. E, além disso, reforçado pelas bases de dados de entidades privadas da área financeira, criadas sob a justificativa de identificar maus pagadores e reduzir os riscos envolvidos na concessão de créditos.
Demonstrando a importância que temas como a disseminação e o controle da informação começavam a assumir no país, surgiam as primeiras iniciativas voltadas para democratizar o acesso aos dados. Uma delas, que começava a tomar forma no final de 1978. era o projeto Aruanda***. do Serpro. Definido como um "serviço de distribuição de informações sócio-econômicas", o Aruanda se propunha a fornecer acesso público a essas informações dados sobre agropecuária, indústria, serviços, finanças públicas, força de trabalho, economia internacional e contas nacionais, devida- mente analisados e arquivados através de terminais espalhados nas principais capitais do país. Inicialmente, estava prevista a instalação de 60 terminais, sendo 20 em Brasília, 20 em São Paulo e 20 no Rio.
* Processos mais ágeis
Em 1976, a Justiça Federal iniciou os estudos para criar um sistema integrado de processamento de dados. Dois anos depois, era implantado o primeiro subsistema, de execução fiscal, que permitia agilizar a tramitação do grande volume de processos de execução fiscal da Fazenda Nacional. Além de emissão automática de mandados e citação, o subsistema fazia cáculos atualizados, dava baixa na distribuição e, ainda, permitia obter fichas de controle com todos os dados necessários aos processos e sobre o andamento dos mesmos. Entre as vantagens estava a redução do trabalho nas secretarias das varas onde os processos eram recebidos e autuados e a segurança contra extravios, uma vez que todos os processos eram registrado com um único número nacional. Outros subsistemas, implantados nos anos seguintes, foram o de emissão de certidões de distribuição, o de acompanhamento dos processos por fases e o de estatística e auditoria, voltando para a administração da Justiça.
**"ESSE PROCESSO ELEITORAL NEM EM UGANDA EXISTE. A APURAÇÃO DESSAS ELEIÇÕES É TERRÍVEL".
A FRASE DO JUIZ ELEITORAL Luiz César Bittencourt, publicada na edição de 23 de novembro de 1982 do Data News, resumia a situação caótica que foi a apuração das eleições no Rio de Janeiro. O primeiro problema a ser apontado foi a lentidão. Mais de 48 horas após o fechamento das urnas, a Proconsult Racimec e Associados, encarregada da totalização dos votos juntamente com outras quatro empresas, não tinha conseguido fornecer nenhum resultado oficial do pleito.
Uma das explicações para o fato era a grande quantidade de candidatos e partidos, além do fato de o computador ter sido usado somente para a totalização dos votos, sendo o restante do processo de apuração feito manualmente. Devido à pouca experiência das pessoas encarregadas da contagem dos votos -que receberam treinamento de apenas um dia -os subtotais e totais nunca fechavam. Os mapas, mesmo errados, eram enviados para os digitadores, que deviam copiá-los na íntegra. Os dados registrados em fita magnética eram, então, remetidos à Proconsult para processamento. Como os totais não casavam com o número 'de votos, o computador rejeitou a maioria dos mapas apurados.
Mas a lentidão foi apenas a ponta de um imenso iceberg, que ameaçou anular as eleições cariocas. Os sucessivos erros nos boletins de totalização levaram a Proconsult a indicar o candidato Moreira Franco como futuro governador do Estado. Convencido de que estava em curso um processo de fraude para impedir sua vitória, o então segundo colocado, o ex-governador gaúcho Leonel Brizola, que tinha acabado de regressar ao Brasil depois de anos de exílio, fez um grande estardalhaço. Depois de muitas acusações, forte repercussão na imprensa, auditoria e até mesmo inquérito na Polícia Federal, a Proconsult conseguiu finalmente "acertar" o seu sistema e fornecer os dados corretamente. A auditoria feita pelo Serpro comprovou a validade desses dados, mas não pode verificar a existência defraude, uma vez que os técnicos da empresa não tiveram acesso aos programas-fonte do sistema da Proconsult. No final da apuração. Leonel Brizola foi declarado vencedor.
***Distribuição de informações
Ao mesmo tempo em que buscavam reunir e processar o maior número possível de informações sobre empresas e pessoas, os órgãos de informática do governo ou pelo menos alguns se preocupavam também em tomá-Ias disponíveis para a sociedade. Esse era o caso do Serpro, que em 1978 dava forma final a um projeto para criar um. "serviço de distribuição de informações sacio- econômicas". Batizado de Aruanda, o projeto se propunha a fornecer acesso público a essas informações dados sobre agropecuária, indústria, serviços, finanças públicas, força de trabalho. economia internacional e contas nacionais. devidamente analisados e arquivados através de terminais espalhados nas principais capitais do país. Inicialmente. estava prevista a instalação de 60 terminais, sendo 20 em Brasília, 20 em São Paulo e 20 no Rio.
Fonte: Livro "Memórias do Computador", Vera Dantas/Sonia Aguiar) |
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